sexta-feira, 7 de julho de 2017

Milhões, bilhões, mil milhões, biliões, trilhões... a lusofonia e os grandes números



Dos falantes de português no meu local de trabalho, sou o único que nasceu, cresceu e foi educado no Brasil. Todos os demais o foram em Portugal e/ou suas ex-colônias (como Macau e Angola). Assim, meu português é diferente do português de todos os demais, e isto é algo que, às vezes, gera algumas situações interessantes. Por exemplo, dia desses, fui informar a um colega português sobre o fato de que eu havia elaborado uma planilha sobre determinado assunto; seu rosto mostrava uma expressão clara de quem não havia entendido do que eu falava, e ele, passados alguns segundos, respondeu: "mas o que é planilha?" Após ter de recorrer ao inglês ("spreadsheet"), o meu colega entendeu do que eu lhe estava a falar: "ah, uma folha de cálculo!".

Bom, há muitos outros episódios como esses, sobre os quais posso tratar outro dia. Neste post, eu gostaria de falar sobre os numerais, mais precisamente sobre aqueles que denotam grandes quantidades. Por incrível que pareça, os numerais são diferentes em Portugal e no Brasil. Como o Brasil é, por assim dizer, auto-suficiente culturalmente, isto é, publica seus próprios livros, tem uma grande indústria de produções televisivas e cinematográficas, tem a maior parte dos livros e obras audiovisuais estrangeiros traduzidos para o seu português, há pouco contato com as variantes "europeia"  e "africana" da língua portuguesa. Assim, para um brasileiro, não há qualquer dúvida de que os números são dezenas, centenas, milhares, milhões, bilhões e trilhões. Mas isto começa a ser posto em cheque quando se escuta um português "a falar" em "mil milhões".  Como brasileiro, a reação imediata é pensar algo como "que coisa é essa de mil milhões, mil milhões é um bilhão!" Para complicar, quando um português fala em "bilião", ele está "a falar" no que no Brasil chama-se de "trilhão"... Hum??

Isto dá uma confusão danada. Uma vez escutei um grupo de portugueses a discutir qual seria a tradução correta para o número (em inglês) "one trillion", ao que alguém disse "um milhão de milhões", até ser corrigido por outro que, afirmou que o correto seria "um bilião". E nisto tudo, eu pensando, "como, no Brasil, a tradução seria claramente "um trilhão".

O fato (ou facto, se preferir) é que essa diferença ocorre pois os portugueses usam a chamada "escala longa" para os numerais, ao passo que os brasileiros usam a chamada "escala curta". Quem quiser uma explicação mais detalhada dessas duas escalas, pode consultar a Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Escalas_curta_e_longa). Em resumo, a maior parte dos países europeus adotou a escala longa de numerais. Pelo que consta, o Reino Unido também adotava, no passado, essas escala longa, o que gerava uma confusão semelhante no inglês à que existe no português, mas mudaram com o tempo para a escala curta. A escala curta foi adotada pelos Estados Unidos, que acabou influenciando o Brasil e os demais países de língua inglesa (tanto é que o Reino Unido acabou mudando para a escala curta). Em resumo, eis a diferença entre as duas:

-  da unidade até às centenas de milhões = tudo igual nas duas escalas
-  um bilhão (Brasil) = mil milhões (Portugal e demais países lusófonos) = 109
- dez bilhões (Brasil) = dez mil milhões (Portugal e demais países lusófonos) = 1010
- cem bilhões (Brasil) = cem mil milhões (Portugal e demais países lusófonos) = 1011
- um trilhão (Brasil) = um bilião (Portugal e demais países lusófonos) = 1012
- um quatrilhão (Brasil) = mil biliões (Portugal e demais países lusófonos) = 1015
- um quintilhão ou um quinquilhão (Brasil) = um trilião (Portugal e demais países lusófonos) = 1018
- um sextilhão (Brasil) = mil triliões (Portugal e demais países lusófonos) = 1021
- um septilhão (Brasil) = um quatrilhão (Portugal e demais países lusófonos) = 1024

Em resumo, a lógica da escala curta é mudar a ordem de magnitude a cada milhar, ao passo que, na escala longa, a ordem de magnitude é mudada a cada milhão.

Como saber a que bilhão é que se refere? Bom, na linguagem escrita, fica fácil, pois os portugueses escrevem bilião, com "I", ao passo que os brasileiros escrevem bilhão, com "H". Mas, na linguagem oral, vai depender do contexto, de coisas como o sotaque de quem está dizendo o número, a audiência para quem se dirige, a origem do número etc. O mais preciso seria fazer como os cientistas, que dizem 10 elevado a 12, mas isto na linguagem do dia-a-dia "não rola". O jeito é mesmo ficar atento, e também não estranhar quando alguém chegar "a falar" para "si" sobre "15 mil milhões" de alguma coisa.

Acha que isso é confuso? Bom, no inglês há coisa pior. Os indianos (junto com paquistaneses e bengalis), além de usarem a escala curta, também usam, alternativamente, os numerais "lakh" (equivalente a cem mil), "crore" (equivalente a 10 milhões), "arab" (equivalente a um bilhão brasileiro), "kharab" (equivalente a 100 bilhões brasileiros), "neel" (100 trilhões brasileiros), "padma" (um quatrilhão brasileiro), e "shankh" (cem quatrilhões brasileiros). E eles ainda podem substituir nomes, dizendo, por exemplo, 1 lakh crore, ou 100 kharab, ou ainda 10000 arab, no lugar de 1 neel. Bom, deixemos os anglófonos se entenderem e concentremos nossa atenção em bilhões e mil milhões.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Este blog



Vejo este blog como uma espécie de refúgio, um lugar para onde minha cabeça pode ir e refletir, um lugar onde posso resistir à tentação de passar o tempo livre lendo as mesmas notícias em sítios diferentes, à tentação de em vão tentar ler todas as postagens que aparecem na minha newsfeed do Facebook.

Este blog também me ajuda a registrar pensamentos que tenho sobre determinados assuntos e que depois naturalmente esvaem-se nas brumas da memória se não forem registrados em forma escrita. Por fim, tendo em vista que, no meu ambiente de trabalho, quase sempre tenho de escrever em inglês (ou, a duras penas, em francês), este blog serve também para que eu mantenha minha habilidade de escrever na minha língua materna.

    
Se ainda assim quiser ler este blog, fique à vontade, aproveite os textos e, caso tenha interesse em discutir (de forma civilizada) qualquer coisa que eu tenha publicado, fique à vontade (embora eu possa demorar um pouco para responder…).